''Esgota-se a eticidade de nossa presença no mundo. É neste sentido que, reconhecendo embora a in-discutível importância da forma como a sociedade organiza sua produção para entender como estamos sendo, não me é possível, pelo menos a mim, desconhecer ou minimizar a capacidade reflexiva, decisória, do ser humano. O fato mesmo de se ter ele tornado apto a reconhecer quão condicionado ou influenciado é pelas estruturas econômicas o fez também capaz de intervir na realidade condicionante. Quer dizer, saber-se condicionado e não fatalisticamente submetido a este ou àquele destino abre o caminho à sua intervenção no mundo. O contrário da intervenção é a adequação, a acomodação ou a pura adaptação à realidade que não é assim contestada. É neste sentido que entre nós, mulheres e homens, a adaptação é um momento apenas do processo de intervenção no mundo. É nisso que se funda a diferença primordial entre condicionamento e determinação. Só é possível, inclusive, falar em ética se há escolha que advém da capacidade de comparar, se há responsabilidade assumida. É por estas mesmas razões que nego a desproblematização do futuro, numa compreensão mecanicista da história, da direita ou de esquerda, leva necessariamente à morte ou à negação autoritária do sonho, da utopia, da esperança. É que, na inteligência mecanicista, portanto determinista da história o futuro é já sabido. A luta por um futuro já conhecido a priori prescinde de esperança. A desproblematização do futuro, não importa em nome de que, é uma ruptura com a natureza humana, social e historicamente constituindo-se.''
Freire, Paulo.
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